Neste texto, autora espanhola analisa a proposta da
União Eropeia para alcançar as inovações da economia digital, trazendo a ideia
de presença digital significativa para complementar o conceito de
estabelecimento permante. Logo no título, ela já caracteriza a proposta como
uma “corajosa tentativa que exige e merece uma análise mais profunda”.
Nesse caminho, ela narra que a UE lançou um pacote de
medidas com duas propostas de diretiva: (i)
o estabelecimento do conceito de “presença
digital significativa” SDP-PE, como uma solução definitiva e (ii) a adoção de um imposto sobre
serviços digitais – DST – como medida
provisória de transição até a implementação do Sistema de presença digital
significativa.
No segundo tópico do artigo, Eva trata dos objetivos gerais perseguidos pela
Direitiva da UE, quais sejam, a) proteger a integridade do mercado único e
garantir o seu bom funcionamento; b) assegurar que as finanças públicas dos
Estados-Membros sejam sustentáveis e que as bases fiscais nacionais não sofram
erosão no futuro; c) assegurar que a justiça social seja preservada e que haja
igualdade de condições para todas as empresas que operam, bem como uma tributação
mais eficiente que capture apropriadamente a criação de valor; e d) lutar
contra o planejamento tributário agressivo e fechar as lacunas que atualmente
existem nas normas internacionais.
Eva considera os dois primeiros pontos como
autoexplicativos e se dedica a esclarecer os dois segundos.
Sobre o conceito de justiça social, que a autora considera ambíguo, ela esclarece que há
duas diretrizes nele contidas: (i) assegurar
condições equitativas para todas as empresas atuantes na UE, o que seria
alcançado na fase inicial através do DST, e (ii) alinhar tributação com a respective criação de valor.
Em relação ao objetivo de evitar planejamentos
tributários agressivos, Eva entende que não se trata exatamente de evasão
fiscal, mas de problemas nas regras, que se restringem a capturar certas
situações. Para além disso, parece haver objetivos específicos relacionados com
a proposta de SDP-PE, que seria um “veículo para garantir uma tributação “justa
e eficiente” da economia digital, onde “atividades digitais” podem ser
satisfatoriamente capturadas, quando apropriado”.
Apesar de a União Eropeia não ter explicitados os
critérios utilizados para a determinação das atividades digitais abrangidas, a
auora entende estar tudo ligado à ideia de criação de valor.
Nesse aspecto, percebe-se que tanto a CE, quanto a
OCDE estão alinhadas, impulsionadas pela mesma ambição. No entanto, Eva percebe
uma dificuldade na utilização desse critério, quando se considera o princípio
da residência fiscal, orientador da competência tributária internacional. Para
ela, o critério da residência fiscal não estaria relacionado com a criação de
valor, podendo tributar um residente, independentemente do resultado econômico
trazido para o país. A ideia de ciração de valor, portanto, não seria um
princípio subjacente às regras atuais de definição da jurisdição competente
para tributar.
Ultrapassada esta crítica, em que a autora
expressamente não se aprofunda, analisa-se a contribuição dos usuários para a criação
de valor por determinado serviço digital.
Em razão das rápidas transformações no mundo modern,
especialmente na economia digital, a ideia de geração de valor não pode mais
ser associada simplesmente ao lucro obtido, de maneira objetiva. Ela ganhou uma
conotação quase que intangível, mas de grande importância, que está relacionada
aos usuários de cada serviço digital. Nesse sentido, Eva descreve alguns
cenários em que o usuário gera valor:
a) Valor derivado dos dados do usuário: aplicável para
plataformas que colhem dados dos usuários e os monetizam para melhorar a
experiência de outros usuários, ampliar o alcance da plataforma, atingir
públicos específicos, etc. Ex.: redes
sociais.
b) Valor derivado da participação do usuário: associado
aos “efeitos de rede”. As decisões dos usuários possam ter um impacto direto no
benefício recebido por outros usuários e, por extensão, no sucesso do
fornecedor do serviço. Ex.: plataformas de interação do usuário (Facebook,
Instagram, Linkedin, whatsapp); plataformas onde o usuário gera conteúdo (YouTube,
Twitter, Wikipedia); plataformas de Mercado para os usuários (B2B, B2C, C2C – Amazon,
AliExpress, Airbnb).
O alinhamento
entre tributação e criação de valor, contudo, enfrenta grandes desafios, como determiner
o local onde o valor está sendo gerado, quem será o contribuinte, como
quantificá-lo de maneira razoável. Como mensurar a geração de valor nesse novo
modelo de economia mundial? Como determinar a jurisdição competente para tributar,
quando as empresas têm atuação mundial, ainda que possuam sede em apenas um
país? Como localizar geograficamente a contribuição dos usuários?
Além disso, a
geração de valor de uma empresa não vem apenas dos usuários, mas também do time
de engenheiros que elaborou a plataforma, de analistas que adminstram os dados,
etc. Coloca-se, então, em questão, se esses outros fatores também deveriam ser
considerados para a apuração de geração de valor.
No terceiro
tópico do Artigo, Eva analisa os “limiares” para se configurar o SPD-PE,
pontuando que ele encontra precedente do conceito de “presença econômica
significativa” do projeto BEPS de 2015. Assim, três requisitos devem ser
cumpridos de forma cumulativa: a) o contribuinte
deve estar no âmbito pessoal da cláusula; b)
contribuinte deve prestar serviços digitais e c) o contribuinte deve superar determinados limites quantitativos.
Analisam-se,
portanto, os requisitos da proposta de diretiva.
O contribuinte: para se considerar a existência do SDP-PE em um
estado-membro, o contribuinte deve cumprir três requisitos: (i) ser uma entidade que realiza
negócios, o que abrange indivíduos, apesar deles raramente atingirem os limites
quantitativos; (ii) ser residente em
um estado-membro, considerando que as principais multinacionais possuem
subsidiárias na Europa; e (iii) prestar
serviços num estado-membro, de acordo com os limites quantitativos demonstrados
abaixo.
Conceito de Serviços digitais: “serviços que são fornecidos através da Internet ou de
uma rede eletrônica e cuja natureza torna o seu fornecimento essencialmente
automatizado e envolvendo intervenção humana mínima, e impossível de assegurar
na ausência de tecnologia da informação."
Neste ponto, a autora aborda o que seria uma falha da
Diretiva, ao limitar-se a serviços essencialmente automatizados, o que
excluiria serviços prestados por um professional remotamente, já que seu fornecimento
decorre do esforço intellectual humano. Para tanto, ela propõe uma
interpretação extensiva, no sentido de que “o fornecimento ou a prestação do
serviço seja realizado de forma essencialmente automatizada, enquanto a
intervenção humana pode surgir no que diz respeito à criação intelectual do
produto subjacente a que o serviço se refere.”. Se não for assim, não faia
sentido a Diretiva abordar plataformas de flmes, por exemplo, e excluir
download de palestas filmadas.
A proposta de diretiva enumera uma série de serviços
que devem ser abrangidos pelo âmbito de aplicação da cláusula do SDP-PE no seu
artigo 3.5 e do seu anexo II, em que estão listados 26 serviços que serão
presumivelmente abrangidos. Estas disposições devem ser lidas em conjunto com o
Anexo III, que enumera 19 serviços que não devem ser considerados como
“serviços digitais” para os fins da regra. Esta enumeração, segundo Eva,
encontra-se claramente inspirada nas regulamentações do IVA.
Neste ponto, a autora pontua algumas incongruências ou
entrelinhas contidas na enumeração dos serviços, como o fato de ser mencionado “produto
digitalizado” e não digital, o que denota o intuit de abranger mercadorias
originalmente físicas.
Ao longo desta análise, Eva sempre traz a questão da
participação humana no projeto, questionando se ela desenquadraria ou não o
serviço, em razão da necessidade de ser essencialmente automatizado, sempre
recorrendo ao exemplo de conteúdos educacionais produzidos por um professor.
Por fim, ela expõe sua interpretação no sentido de que
a enumeração dos serviços não seria exaustiva, mas exemplificative, podendo se
enquadrar na proposta SDP-PE outros ali não citados, mas que se enquadrem nos
requisitos.
Ainda no terceiro tópico, Eva se propõe a avaliar se
as regras expostas na Diretiva são coerentes com seus objetivos gerais. No
ponto relativo ao alinhamento e criação de valor, ela entende que não há
coerência, já que nem sempre é possível presumir que os usuários estão, de
fato, gerando valor para a empresa. Isso a leva a acreditar que que a Diretiva,
implicitamente, busca outros fins, mas não delieia quais seriam eles. Por outro
lado, haveria outros serviços, cuja geração de valor seria clara, mas não estão
abrangidos pelo Anexo II da Diretiva, como as redes sociais.
Limites quantiativos: a Diretiva prevê 3 elevados limites quantitativos, a
serem analisados de maneira não cumulativa. De plano, Eva já ressalta a
facilidade das empresas difundirem-se para não serem abrangidas por estes
limites, de modo que vem daí a importância da cláusula anti-fragmentação, que
prevê o cálculo com base em grupos, não em entidades individuais.
O primeiro
critério quantitative analisado é o da receita
obtida pela empresa na jurisdição de análise, que não é um critério novo, já
estando presente em propostas anteriores da OCDE.
Considera-se que um fornecedor de serviços digitais
tem um SDP-PE no Estado-Membro de acolhimento, na medida em que “a proporção
das receitas totais obtidas nesse período fiscal e resultante do fornecimento
desses serviços digitais a utilizadores localizados nesse Estado-Membro nesse
imposto. período excede 7 milhões de euros”. Receitas devem ser interpretadas
como produtos de vendas e transsações digitais, independentemente da sua
natureza e antes da incidência de tributos.
A autora pondera como este critério pode ser
problemático, na medida da dificuldade de se mensurar quanto da receita da
empresa adviria de serviços ou produtos digitais fornecidos no estado-membro,
considerando, inclusive, a possibilidade de relações triangulares e até
multidirecionais, em que as receitas podem originar de diversos lugares.
Limitações geográficas de rastreamento da geração de valor também são
consideradas em sua crítica a este critério.
Como segundo
critério quantitativo para definição de SDP-PE, a proposta de Diretiva
tratou da quantidade de usuários. Será
considerada como SDP-PE no estado-membro a empresa que tiver mais de 100 mil
usuários nele localizados. Para tanto, consideram-se apenas usuários logados e
registrados, excluindo-se usuários esporádicos. Este critério, contudo, não
serve para plataformas que não exigem registro.
Por fim, o terceiro
critério da proposta analisado pela Autora é o número de contratos comerciais firmados no estado-membro, que deve
ser superior a 3000 para se considerar SDP-PE. Consideram-se apenas contratos
firmados com empresas residentes no estado.
Em seguida, Eva passa a analisar também estes
critérios quantitativos, a fim de verificar se eles possuem coerência com o
critério central de geração de valor. Pontua, de plano, que nenhum critério quantitativo
será capaz de refletir geração de valor se o serviço não puder se beneficiar do
valor gerado pelo usuário.
Ourta questão que se coloca é a de que, uma bez atingido
um ou mais critérios quantitativos, como mensurar a medida em que o
estado-membro vai tributar os serviços digitais. A resposta vem da estrura já
existente de atribuição de lucros à PE, com a introdução de alguns outros
critérios. Nesse sentido, a Diretiva se refere a atividades economicamente
relevantes realizadas pelo contriuinte através da interface digital naquele
estado, como se o PE fosse separado. Após, busca-se verificar se este lucro
teria sido obtido, independentemente do resto da empresa.
Eva critica este método, porque entende que o
resultado destes cálculos será uma receita insignificante, o que torna a
proposta sem utilidade prática. Além disso, a quantidade de lucro do PE pode
não refletir a geração de valor a ele relacionada, o que afasta a proposta de
seu objetivo/critério central.
Vê-se, portanto, que, ao caracterizar a proposta de
ousada, a Autora embrenha-se ela mesma em ousada empreitada, ao realizer críticas
pontuais ao projeto, ora coerentes, ora obscuras, mas tecendo importantes considerações
na condição de acadêmica capaz de contribuir para o aprimoramento da proposta
e, talvez, a construção de uma solução coerente e viável para o novo modelo
econômico mundial.